"... Continuando a acompanhar as histéricas através dos séculos, no final da Idade média elas começaram a ser identificadas com as bruxas. A histeria passava a agregar genitália com o demônio. Aquelas criaturas femininas que curavam com poções mágicas, copulavam e faziam pactos com o demônio, entravam em transe e, como castigo, acabavam condenadas à fogueira. Segundo as ordens do papa Inocêncio VIII, em 1484, “... realmente, nos últimos tempos chegou a nossos ouvidos, o que certamente nos afligiu com amarga tristeza, que muitas pessoas, de ambos os sexos, sem pensar em sua salvação e afastando-se da Fé Católica, abandonaram-se a demônios, íncubos e súcubos. Por isso, decretamos e ordenamos que os já mencionados inquisidores tenham o poder para proceder à justa correção, ao encarceramento e ao castigo de quaisquer pessoas, sem embaraço e impedimento (...)”
Sobre o “tratamento” das bruxas-histéricas publicou-se em 1486 um famoso manual chamado Malleus Maleficarum (Martelo das Bruxas). Alguns trechos desse Malleus Maleficarum pode nos dar uma pálida idéia da dimensão da histeria, não apenas das pacientes mas, da sociedade à sua volta.
“.... Os carrascos aproximaram-se, então, removendo-lhe o sambenito. Ela não esboçou qualquer resistência. Quando um eles, porém, tocou o laço que prendia o largo roupão ao corpo, ela gritou e recuou. As mãos fortes dos carrascos buscaram-na incontinente, imobilizando-a. O tecido que cobria seu corpo foi retirado e sua nudez pecaminosa expôs-se aos nossos olhos piedosos, alertados para os perigos e artimanhas do inimigo do Senhor, que a fez tão bela e tão sedutora com o único propósito de ceifar almas para o fogo do inferno. Percebi, porém, que ela estava mais magra do que era antes do processo”.
Os carrascos trataram, inicialmente, de raspar-lhe todos os pêlos à procura de algum sinal de malefício. De olhos fechados, ela parecia não se importar. Penso que isso tenha pesado contra ela no julgamento do representante do bispo, muito embora ele não se manifestasse a respeito. Lamentei, como todos devem ter lamentado, que tal mulher se tivesse deixado desencaminhar, incorrendo na heresia que acabaria por levá-la a uma condenação capital, caso não se arrependesse...”
Esse manual de diagnóstico para bruxas, o Malleus Maleficarum (1487; Martelo das Bruxas), dividia-se em três partes. A primeira ensinava os juízes a reconhecerem as bruxas em seus múltiplos disfarces e atitudes. A segunda expunha todos os tipos de malefícios, classificando-os e explicando-os. A terceira regrava as formalidades para agir “legalmente” contra as bruxas, demonstrando como inquiri-las e condená-las (não necessariamente nessa ordem). Download disponível na página "Literatura".
A primeira parte do Martelo das Bruxas descreve quadros comportamentais perfeitamente compatíveis com a histeria. As maneiras de se identificar uma bruxa eram muitas, segundo o manual. Fora denúncias espontâneas e aquelas obtidas sob tortura, qualquer coisa servia como indício de bruxaria. Um ataque histérico ou epiléptico era a prova de possessão demoníaca, ser canhoto equivalia a ter feito pacto com o demônio, não comer carne de cabra, inclusive. Grave também era não ir às missas, mostrar-se inquieto, apresentar tiques nervosos, adoecer subitamente. Manchas no corpo era fatal, principalmente quando insensíveis à dor. Essas eram prova das mais válidas de ser, quem as tivesse, um servidor de Satanás.
Historicamente, um dos casos mais famosos e que relaciona visivelmente a histeria com a bruxaria, foi o julgamento e condenação de 18 ou 19 bruxas em Salem, uma cidade da Nova Inglaterra (EUA) em 1692.
Naquele ano, centenas de pessoas foram acusadas de praticar bruxaria. Entre junho e setembro, 18 pessoas foram condenadas e enforcadas e outra morreu de forma ainda mais bárbara, esmagada por pedras. Essas moças e mulheres acusadas manifestavam, todas, um forte comportamento histérico. Esse episódio foi fielmente retratado num filme chamado As Bruxas de Salem, dirigido por Nicholas Hytner, com Wynona Rider e Daniel Day-Lewis nos papéis principais.
Foi só em 5 de março de 1954 que a Câmara de Deputados do Estado de Massachusetts aprovou uma lei inocentando seis das dezenove mulheres executadas em Salem no ano de 1692. Isto equivale a um julgamento de bruxas em pleno século XX, pois se apenas seis mulheres foram absolvidas, implicitamente as outras treze tiveram sua condenação confirmada! Embora em 1957 a Comunidade de Massachusetts tenha revogado a extinção dos direitos civis das condenadas como bruxas em Salem, a que saibamos nada se fez para inocentar aquelas outras doze criaturas vítimas da intolerância (NetEstado, 1997).
Mais recente, em novembro de 2000, o Vaticano condenou exageros litúrgicos em sessões de cura. A Congregação para a Doutrina da Fé, que atualmente é o órgão do Vaticano que substituiu a Santa Inquisição, voltou a causar polêmica através de um documento sobre curas e exorcismos. O documento, de 17 páginas, está sendo visto por alguns especialistas como uma crítica à Renovação Carismática Católica, um movimento leigo, de inspiração pentecostal, que valoriza orações para cura e contra opressões do demônio.
O recente documento, assinado pelo prefeito da Congregação, cardeal Joseph Ratzinger, significa um progresso nas idéias que atrelam histeria com possessão. Embora o texto afirme que as orações dos fiéis para que Deus os cure de suas enfermidades sejam legítimas, ele ressalta que ... "qualquer coisa que se assemelhe a histeria, artificialidade, histrionismo e sensacionalismo deve ser afastada dessas práticas de cura." (O Estado de S.Paulo, 2000)..."
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