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25 de janeiro de 2012

A peste e a morte no Rio oitocentista

Para o atual visitante da cidade do Rio de Janeiro e mesmo para muitos de seus habitantes pode parecer distante a imagem de populações inteiras devastadas pelas pestes cujo imaginário popular abastecido pelas produções cinematográficas nos fez acreditar, pelo menos em parte, serem flagelos de uma Europa medieval. Mas a verdade é que a insaciável fome da morte não vê fronteiras capazes de impedir o avanço de seus ulcerosos dedos.

Charge do século XIX
Retirada da Revista Illustrada em 04 de março de 1876. O texto é reproduzido
abaixo.

Febre amarela - Exmº Sr ministro do império, estou-lhe muito agradecida; já faço
                            uma colheita de 80 a 100 por dia graças ao seu valioso auxílio.

Ministro do império - Exmª Sr Febre, é para mim bastante lisonjeiro este seu
                                      agradecimento, mas observo-lhe que não deve esque-
                                      cer-se dos meus aliados lllmª Câmara Municipal e a Junta
                                      de Higiene que muito me coajundo nessa árdua tarefa.
No Rio de Janeiro do século XIX a peste na figura da febre amarela e a morte cavalgavam juntas em um sinistro e desconcertante dueto que fazia os habitantes da então sede do Império temerem por suas vidas. Longe de ser comparada à peste negra européia cujo número incalculável de vítimas jamais será conhecido plenamente, a epidemia que assolou o Rio de Janeiro no século XIX teve proporções menores ceifando segundo algumas estimativas até 15.000 almas, mas ainda assim capaz de transformar a cidade e seus costumes.


No momento em que as mortes se tornavam numerosas e o pranto das mães tomava conta das ruas e vielas da urbe em uma lúgubre e sufocante sinfonia algumas das medidas tomadas  pelas autoridades incluía a moderação nos excessos de bebida, comida e mesmo relações sexuais, tal como se acreditava no século XIX serem responsáveis por desequilíbrios corporais propícios às doenças. Mas provavelmente nenhuma medida foi tão sombria quanto a que proibia o dobre dos sinos das capelas. Por costume as mortes eram anunciadas pelo badalar dos sinos da capela e o seu incessante ecoar só fazia aumentar o desespero da população já fragilizada. Assim, calada e abafada a dor seguia sem esperanças de findar nas insalubres e agora lutuosas ruas da capital.

"Queridas irmans, genios de destruição, enviadas da morte! Agora que se aproxima o verão celebremos com um banquete (tanto em moda entre os vivos) o começo dos nossos trabalhos. Vai principiar a colheita. Tudo contribue para que seja abundante. Fluminenses, Nictheroyenses, preparae-vos... e tremei."

É assim que se anuncia o folheto com o sombrio título de Congresso Pestifero cuja reprodução pode ser vista ao lado. Na imagem vê-se a febre amarela personificada na figura de uma taberneira anfitriã de um banquete com suas "irmãs" a comemorar a "colheita" que se aproxima na cidade.

Tenha sido qual fosse a ação tomada naquele momento o fato é que a Morte já fizera seu folguedo e dançando continuaria o balançar de seus braços cadavéricos sobre aquela que um dia seria intitulada de a Cidade Maravilhosa. Hoje pelas ruas do Rio poucas são as pessoas que sabem que um dia as epidemias de fato ameaçaram a bela cidade, pois, por mais insano que possa parecer aos ouvidos de algumas pessoas, as várias epidemias que frequentemente perambulariam pela cidade em seus guetos mais sombrios e esquecidos criaram na consciência popular a fantasia de algo corriqueiro. Mas a morte, como já diria o poeta, é uma donzela desdentada, uma noiva infausta cujo eterno esperar certamente não se mostraria em vão uma vez que lentamente caminhamos para sermos abarcados em seus braços.

Lentamente?... Provavelmente não se um dia a Peste nos alcançar.

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